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A palavra está concedida a todos. No caso, não a palavra entendida conceitualmente como simples vocábulo, mas no sentido de expressão de uma ideia, assim como nas reuniões quando é concedida a oportunidade de expor uma ideia.
Na história da humanidade, a palavra de "qualquer um" alcançava pouquíssimas pessoas. A Igreja Católica Romana conseguiu, através do púlpito, transmitir a sua palavra de forma uniforme em quase todo globo. Depois, com Gutemberg, veio a imprensa e alguns poderiam levar longe suas palavras, mas restrita a quem tivesse acesso aos escritos e fossem alfabetizados.
O rádio, a televisão e agora a internet foram gradativamente alargando as possibilidades da divulgação da palavra a um maior número de pessoas, até chegarmos ao estágio atual, quando "qualquer um" pode usar das diversas ferramentas que a internet proporciona para lançar suas opiniões (arrazoadas ou desarrazoadas), que se disseminarão, encontrarão adeptos e contrários, podendo ser fontes de animosidades e ódio.
Disse Leão XII, Papa entre os anos de 1878 e 1903: "Concedei a todos a liberdade de falar e escrever e nada haverá que continue a ser sagrado e inviolável". Foi a antevisão do que está acontecendo. Não há mais certezas. Mesmo os postulados científicos mais elementares, como a esfericidade da terra, são questionados e - surpresa! - existem milhares que afirmam a planura da terra.
Todos entendem ter capacidade para julgar tudo. O letrado (culto ou inculto, sim há letrados incultos), o analfabeto, o cientista, o humanista, o artesão, o desocupado, o homem comum com vernizes almiscarados de sapiência, todos creem poder dar receitas, criticar, apontar caminhos.
A Covid-19 veio escancarar esta realidade. As empresas de comunicação social nos empanturram com notícias e exposição da beligerância política, que fez de uma questão sanitária uma bestial luta pelo poder de ditar a verdade. Surge até quem se dá ao luxo (ou seria desplante) de ter crises de ciúme das estrelas que brilham, preferindo um céu nublado para que a luz bruxuleante do seu farol seja notada.
Isto, somado às paixões que dominam as redes sociais, faz uma algazarra, todos falam ao mesmo tempo, cada qual diz o que quer, ninguém escuta nada. Há um concurso de quem grita mais alto (medido por curtidas e compartilhamentos), o objetivo é calar os outros e impor, no grito, determinado ponto de vista. Não há dialogo, mas gritaria.
As palavras ásperas ou de desprezo, assim como a imposição de obediência cega baseada no medo, são instrumentos de violência. Não só as palavras permitem aquilatar o caráter das pessoas, mas seguramente elas conseguem mostrar os espíritos egoístas e belicosos e, por outro lado, os espíritos solidários, compassivos e construtores de consensos.
A Covid-19, através das palavras, trouxe à tona o que há de melhor e pior no ser humano.